Editorial

Escrever é desvendar as experiências em que se vai reconhecer e recriar, desvendar as palavras, organizar o pensamento para iluminar nossa compreensão da vida e de nossas posições no mundo. A escrita é uma bolsa de relíquias onde podemos entender a alma do ser humano, onde podemos nos libertar através de palavras.

Bolsa de relíquias é o significado da palavra que dá nome a este blog. ‘Nômina’ sintetiza o trabalho dos jovens escritores que têm aqui seus textos publicados.

Apresentamos-lhe vários trabalhos que vão de painéis de grandes escritores brasileiros, passando por resenhas sobre uma das maiores e mais polêmicas cantoras da atualidade, artigo sobre o filme onde o protagonista é obcecado pela escrita; relatório sobre o texto de Ângela Torres Lima; entrevista com um funcionário da Faculdade de Letras da UFMG sobre seu conhecimento literário; texto com o tema ‘o trabalho’; ensaio fotográfico do ambiente onde os alunos participam do curso de Letras; texto contando a experiência de cada integrante do grupo com a Oficina de língua portuguesa ministrada pela Professora Doutora Vênus Brasileira Couy até artigos sobre literatura, música, sobre a arte de escrever.

Esta bolsa está aberta, você perceberá muitas qualidades em diferenciados tipos de textos, trabalhos que de forma sutil buscaram expressar a arte de escrever. Esperamos que goste das nossas relíquias!

domingo, 17 de junho de 2012

Painel - Estudo crítico: crônica Piscina - F.Sabino

Crônica de Fernando Sabino

Piscina

Era uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cercada de jardins e, tendo ao lado, uma bela piscina. Pena que a favela, com seus barracos grotescos se alastrando pela encosta do morro, comprometesse tanto a paisagem.

Diariamente desfilavam diante do portão aquelas mulheres silenciosas e magras, lata d’ água na cabeça. De vez em quando surgia sobre a grade a carinha de uma criança, olhos grandes e atentos, espiando o jardim. Outras vezes eram as próprias mulheres que se detinham e ficavam olhando.

Naquela manhã de sábado ele tomava se gim-tônico no terraço, e a mulher um banho de sol, estirada de maiô à beira da piscina, quando perceberam que alguém os observava pelo portão entreaberto.

Era um ser encardido, cujos trapos em forma de saia não bastavam para defini-la como mulher. Segurava uma lata na mão, e estava parada, à espreita, silenciosa como um bicho. Por um instante as duas mulheres se olharam, separadas pela piscina.

De súbito pareceu à dona de casa que a estranha criatura se esgueirava, portão adentro, sem tirar dela os olhos. Ergue-se um pouco, apoiando-se no cotovelo, e viu com terror que ela se aproximava lentamente: já atingia a piscina, agachava-se junto à borda de azulejos, sempre a olhá-la, em desafio, e agora colhia água com a lata. Depois, sem uma palavra, iniciou uma cautelosa retirada, meio de lado, equilibrando a lata na cabeça – e em pouco sumia-se pelo portão.

Lá no terraço o marido, fascinado, assistiu a toda acena. Não durou mais de um ou dois minutos, mas lhe pareceu sinistra como os instantes tensos de silêncio e de paz que antecedem um combate.

Não teve dúvida: na semana seguinte vendeu a casa.
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 A crônica PISCINA de Fernando Sabino faz uma crítica bem humorada a desigualdade social, assunto polêmico que se mantem atual há muitas décadas. 
Certo dia, os moradores de uma casa luxuosa localizada em um morro próximo a uma favela, observaram que os seus vizinhos, moradores desta favela, adentravam e roubaram alguma coisa: a água da piscina! Fato inusitado? Não para o autor da crônica.
Com palavras simples e habilidade na escrita, Fernando Sabino perpassa por várias esferas do problema da desigualdade social. Moradores que convivem em uma mesma cidade, vizinhos, vivendo situações sociais tão diferentes. Aborda desde os problemas de saneamento básico, passando pela  cultura da ostentação, educação, chegando ao medo da violência e a falta de segurança .
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 Por: Kelly Maria

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