Editorial

Escrever é desvendar as experiências em que se vai reconhecer e recriar, desvendar as palavras, organizar o pensamento para iluminar nossa compreensão da vida e de nossas posições no mundo. A escrita é uma bolsa de relíquias onde podemos entender a alma do ser humano, onde podemos nos libertar através de palavras.

Bolsa de relíquias é o significado da palavra que dá nome a este blog. ‘Nômina’ sintetiza o trabalho dos jovens escritores que têm aqui seus textos publicados.

Apresentamos-lhe vários trabalhos que vão de painéis de grandes escritores brasileiros, passando por resenhas sobre uma das maiores e mais polêmicas cantoras da atualidade, artigo sobre o filme onde o protagonista é obcecado pela escrita; relatório sobre o texto de Ângela Torres Lima; entrevista com um funcionário da Faculdade de Letras da UFMG sobre seu conhecimento literário; texto com o tema ‘o trabalho’; ensaio fotográfico do ambiente onde os alunos participam do curso de Letras; texto contando a experiência de cada integrante do grupo com a Oficina de língua portuguesa ministrada pela Professora Doutora Vênus Brasileira Couy até artigos sobre literatura, música, sobre a arte de escrever.

Esta bolsa está aberta, você perceberá muitas qualidades em diferenciados tipos de textos, trabalhos que de forma sutil buscaram expressar a arte de escrever. Esperamos que goste das nossas relíquias!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Textos produzidos na Oficina: Kelly Maria

TEXTO 01
Resenha crítica produzida a partir do documentário de “Amy Winehousse” exibido em sala de aula.

Um mito? A história decidirá.
Uma mulher talentosa, vulcão de energia que se expirava nas dores da própria existência. Com o poder da sua voz, encantava a todos cantando e interpretando como poucos sobre a solidão. Não escondia seus monstros internos, que eram tatuados aos poucos no corpo e alma.
Experimentou da melhor e pior maneira o seu sofrimento, extraía abruptamente de sua essência a dor da existência, pautada pela tristeza e pela solidão, o que lhe causava um vazio existencial quando estava fora dos estúdios e dos palcos. Não suportou o peso de sua personalidade contraditória.
 Não usou a fama e o assédio para se fortalecer, permitiu ser empurrada  por eles para um cárcere, um abismo escuro que foi tomando posse do seu ser como se fosse uma erva daninha que recobre uma grande árvore sufocando e matando-a. O chão lhe sumiu por diversas vezes debaixo dos pés, fazendo-a flertar com os seus demônios internos e externos e com muita dor,  o seu acerto de contas chegou prematuramente.

Referência:
Documentário sobre Amy Winehouse, "I told you I was trouble". Londres, 2007. 46 min.
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TEXTO 02
Crônica produzido a partir da música “Eu despedi o meu patrão” de Z.B.

Sombras das Reminiscências
No início do mês de janeiro daquele ano, recebemos o currículo extenso e brilhante daquele que seria o novo gerente do setor de comunicação da empresa. A expectativa era grande, entre nós colegas da unidade. Nesse mesmo dia à tarde, nos foi apresentado um senhor elegante, de aproximadamente um metro e oitenta, magro, moreno, de meia idade, bem calvo e usava óculos de lentes muito fortes que deformavam o seu olhar. Tinha um belo discurso e sabia dizer como ninguém, aquilo que todo bom funcionário gostaria de ouvir do seu chefe, como: o nosso lema agora é mudança, vamos melhor estruturação do setor, criaremos grandes oportunidades de expansão, integração total em redes, estudos e implantação de projetos, cursos de especialização, etc., etc., etc. Estávamos maravilhados com a aquisição!
Os dias foram passando, as demandas aparecendo e a confusão se instalando naquele pequeno setor que era formado por oito colaboradores: um jornalista, uma RP, um técnico de som, uma secretária, dois estagiários, um web, eu, uma profissional da área  gráfica, além dele, é claro: O novo gerente!
Você consegue imaginar como seria a situação se toda vez que o seu chefe quisesse falar com você, ele estalasse os dedos energicamente e dissesse: “Fulano venha até aqui!”? A princípio você acata, mas ele continua: cadê o seu caderno de notas? Você volta, rapidamente, busca o seu caderno de anotações, anota tudo freneticamente, mesmo sabendo que ele nunca mais fará referências ou precisará daquelas anotações.   Ninguém sabe porque ele não dava sequência a nada, inclusive engavetou vários projetos da equipe. Acredito que ele até tentou algumas vezes apresentá-los ao corpo diretor, como sendo de sua própria autoria, é claro! Mas como não entendia patavina do assunto, não conseguia dar sustentação, se confundia e desistia, engavetando todos eles.  Queríamos ser otimistas e procurávamos uma explicação para aquela obcessão de anotar tudo, achamos  que talvez ele tivesse um espírito italiano e quisesse difundir o costume das notas  no  “moleskine”; aquele tradicional caderno feito à mão, caríssimo,  utilizado pelos europeus,  onde “o anotar ou desenhar” é um prazer  e o objeto de seu conteúdo tornam caminho natural das coisas do mundo, registro do olhar e compreensão do autor. O que é claro não era a nossa realidade ali. E-mails?  Quando chegavam a nossas caixas, enviados por ele, alem de trazerem determinações de tarefas com prazos vencidos, muitas vezes as mesmas já haviam sido executada há dias ou meses. Uma adaptação curiosa foi a modificações que nossos nomes sofreram nesse meio de comunicação. Cada um de nós havia ganhado seu próprio pseudônimo que era a primeira letra do nome de cada um.  Funcionava assim: -  “K.” , que era o meu pseudônimo, execute isto ou aquilo.
Conformávamos-nos, pois tínhamos a certeza de que nada era pessoal. Ele distribuía as suas sandices a todos, como um verdadeiro líder, é claro que com as funções invertidas...  Toda a equipe teve o desprazer de executar tarefas descabidas determinadas por ele.
Nessa época comecei a sofrer de taquicardia!  Às vezes ele passava atrás da minha cadeira, dava uns três tapinhas no meu ombro e dizia: - Me acompanhe! Eu até tentava argumentar:  - Sim, mas onde vamos, o que devo levar, é uma reunião, há uma pauta, algum release?  Ele dizia:  - Não se preocupe.
Ai! Era o sinal de que eu deveria me preocupar e muito! Eu o acompanhava, rezando sempre. Aprendi muitas orações novas. Passei por diversas situações constrangedoras depois que ele cismou que eu deveria fazer às vezes de uma RP. Logo eu que sou incapaz de memorizar um nome sem antes repeti-lo no mínimo vinte de vezes? Eu uso esta técnica milenar chinesa de repetição. Nestes eventos costuma estar presentes uma infinidade de políticos e empresários, que a meu ver eram todos muito parecidos, todos de terno escuro, cinza, preto ou azul marinho, de cabelos grisalhos e a única diferença que conseguia perceber era os óculos, uns usavam outros não... E isso não ajudava muito. Esta nova função me causou vários constrangimentos.  Tive que assistir a extensas reuniões de missões estrangeiras como a de uma comitiva de indianos, outra de chineses, eu ficava lá, apreensiva o tempo todo, não entendia uma só palavra além do medo de cometer gafes, pois não tinha tido tempo para estudar nem um pouquinho da cultura daqueles povos.  Cheguei até a achar comum ver autoridades se afastarem de nós, de cara fechada, depois que eu confundia os seus nomes.
Um dia ele passou atrás de mim, aplicou-me aqueles medonhos “três tapinhas” nos ombros, dizendo que iríamos a uma reunião no andar de cima. Pelo menos ele avisou onde era... Peguei o meu crachá corporativo e saí atrás dele.  Encontramos com o vice-presidente que também era recém contratado pela instituição, entramos no elevador, que 
foi direto para a garagem! Para a garagem?! Sim, havia um motorista nos esperando na garagem do prédio, a pedido do vice. Eles falavam muito e não me devam a oportunidade de perguntar onde diabos era a tal reunião.  Seguimos viagem até paramos no aeroporto internacional, era um grande evento com a presença do governador, várias autoridades entre políticos e pessoas ilustres. Respirei fundo, contei até dez, duas vezes, tentei me convencer que deveria continuar a ser profissional e exercer o meu novo papel de relações públicas, afinal conhecia muitas daquelas pessoas que não tinham nada a ver com o equívoco,  e segui apresentando-os, na tentativa de inserir os novos contratados naquela comunidade. 
Finalmente acabou! Acreditei que a tinha cumprido a minha missão naquele dia e voltaríamos à empresa, para traz do meu computador e de onde nunca deveria ter saído.  Eles resolvem parar para almoçar, afinal já passava do meio dia.  Como estávamos no mesmo carro, tive que acompanhá-los. Era um restaurante caro, mas no meu entendimento, era um almoço de trabalho.  Quando chegou a conta, ele rateou o valor igualmente para todos e não me poupou do vexame de ter que justificar que o meu crachá ainda não era cartão de crédito, que eu  não tinha levado a minha bolsa e não tinha dinheiro! Eles pagaram a minha parte na conta, mas ficou a sensação de que eu tinha dado uma de “migué”, porque eles são homens e não entendem que as mulheres usam roupas sem bolsos e só carregam os seus pertences em bolsas, naquele momento ninguém imaginaria que eu, uma designer,  saí de manhã da minha confortável estação de trabalho para ir ao andar de cima do mesmo prédio, fazer alguma apresentação gráfica.
O ano foi passando e as confusões da “nova e moderna administração” eram cada vez mais frequentes, a cada dia outros colaboradores eram envolvidos, até contaminar toda a empresa e o assunto virar piada de corredor, na verdade eram piadas de toda natureza.
Não sabemos bem o momento em que o assunto virou de “reunião de diretoria”. A equipe da comunicação, com exceção do brilhante GERENTE, foi convocada a comparecer à sala do presidente, onde pediram que explicássemos qual era o porquê de tantos equívocos, desencontros, não cumprimento de tarefas e principalmente tantos comentários.  Explicamos tudo e até tentamos contornar a situação sugerindo que ele tinha o perfil de outro cargo de chefia, como chefe de gabinete. O presidente sequer considerou, somente nos perguntou, brincando, se queríamos era “ferrar” com ele, uma vez que a chefia de gabinete é diretamente ligada a presidência.  Não tinha jeito, o mal estava feito e a situação do novo gerente não era nada boa.
 Soubemos por outros gerentes  que houve uma reunião onde o presidente disse ao novo gerente: - Você teve várias oportunidades para fazer o seu trabalho e não aproveitou nenhuma delas.  Estamos lhe comunicando oficialmente que você não faz mais parte da equipe desta empresa. Pegue as suas coisas e vá embora.
Sabendo do acontecido e por se tratar de assunto delicado, ficamos esperando que ele tomasse a iniciativa de conversar conosco.  Somente na semana seguinte ele convidou muito educadamente toda a equipe para uma reunião.  Disse-nos que ele havia recebido uma proposta irrecusável na área jurídica de uma grande empresa, que foi uma decisão difícil, mas havia resolvido seguir por este caminho. Lamentava muito nos deixar, pois éramos uma grande equipe.  Ficou por ali mais alguns dias, dizendo que estaria finalizando algumas tarefas até o dia que foi embora de vez. 

Referência:
 BALEIRO, Zeca. Eu despedi o meu patrão. In:_Pets hgo mudação. Manaus: Abril Music, 2005.


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